quarta-feira, 29 de maio de 2013

Dar-se de cara consigo

Eis que vivo em infinita melancolia. O sol arrancou-me o brilho ténue. A capacidade de enxergar belezas simples arrancou-me a malevolência necessária num ser humano. Que poderia eu fazer após tornar-me, em toda, bondade? Os raios solares iluminavam as verdes árvores e minha face desprendia-se em sorrisos. Alcancei, após isso, duas vezes, o orgasmo vívido por encontrar ao meio da rua, há dois passos e meio, uma face que já foi minha.
O brilho dos olhos a contar-me estórias, a voracidade com a qual sorria, desprendida de circunstâncias mórbidas e necessárias, faziam-me enxergar a mim, algum tempo atrás. E o olhar meu preencheu o ambiente, fiz que não vi, mas observei, cautelosa, a rítmica respiração familiar. Seria o Eu que se perdeu? O Eu que se perdeu entre as incertezas duma existência que não se decide entre vã ou indispensável? 
Dei de cara com o meu espírito, que julgava antes enterrado e, ao contrário do que pensava, ele sobrevoava, vivíssimo, a hierarquia solitária dos que continuam vivos. 
Não há face que esbanje sentimentalismo sem usar de uma gota, que seja, de melancolia. É o que move os perceptíveis. A dor, angústia de ter ao lado de si todas as sensações do mundo e poder desfrutar de apenas uma por vez. A loucura! O temor de não haver tempo para todas as coisas requeridas… para abusar dos dons que vos foram agraciados. A tristeza de olhar-se ao espelho e não se encontrar, pois o espelho faz-se incapaz de traduzir a grandiosidade do Ser. 
Onde se perdeu a minha eternidade? E todas as juras incríveis sobre não esconder-me do Eu que sempre sobreviveu folgado e revelou-se por todas as épocas em que se pode respirar sozinha, onde foram parar? Onde está o autoritarismo com o qual reivindiquei às minhas dores por achar que era maior que as mesmas e busquei, incansavelmente, a nota mais doce de um acorde cujo som é infinito? Ingênua, não conhecia o significado de “infinito”. Mesmo assim, abracei a causa da verdade humana e fui ao ápice do descobrir ao outro, por não mais me poder encontrar… Abdiquei a mim. Fui vítima da mais cruel das ilusões, ao pensar que encontrando o sentido alheio da vida, já não precisaria encontrar o meu, pois nada me parecia significar a minha existência mínima, ao meio de um Todo que move as montanhas da percepção e tem o poder de mexer tanto com tudo e sem por quê. Ao fim de tudo, percorri vidas inteiras (construídas por segundos e mais segundos de ignorância minha), sem saber que é em mim que se encontra a juventude que tanto busquei nos outros.
Percebi ao dar de cara comigo, com aqueles olhos de quem busca respostas e não cansa de exercer a vida, o tempo, que já não sou o Eu que se perde ao espelho… E quis buscar de volta a maldade humana que sempre viveu em mim como vive em qualquer um. O veneno da raça, que não é de todo mal. E a autoridade e o sentimentalismo exacerbado e a ironia, o sarcasmo que percorreram minhas veias por tantos quase que incontáveis instantes… Quis de volta a minha essência, que eu já nem julgava necessária, que eu nem lembrava que era o que me fazia.
Meus passos me buscaram, meu olhar me percorreu o corpo e a face. Dei de cara comigo, que estava desaparecida há vidas. Quis afogar-me em mim mesma e descobrir a verdade sobre o que me faz existir.
Quis viver de buscar ideais e me perder entre as sensações e dúvidas que perneiam o meu pensar.
Meu poço de melancolia secou-se, o significado de “infinito” foi abrangido e, finalmente, dei-me conta de que não há nada cujo fim seja imprescindível… Fui ser o Eu que estava solto, que havia sido expulso de mim… Eis que agora a vitalidade do “ser” é o que se faz durar. Resta-me gozar das imperfeições próprias.

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