terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Adeus

Estupendo! Florescente!
O arco-íris, multicolor
resplandece às alternativas
Ora alegre, ora dor.

Então o murmúrio
Estupendo! Florescente!
Resplandece junto a dor.

Eis, questão de sentido
única alternativa.
cheiro de morte
cheio de dor.

Sentindo às vésperas,
ao calor,
a imensidão a chegar
a chamar
a explicar
ou desintoxicar
todo o amargor.

Voraz sentindo
ou falta em demasia
pois, então, tu querias
roubar-me o calor.
O amor! O amor!

A paz o levou
longe
donde não sei
sequer supor,
mas irei...

VINDE A MIM
Ó PAI!
CHEIO DAS GRAÇAS
E DO AMOR
RETORNAIS AO TEU FILHO
TODO O ESPLENDOR
ARRANCA-LHE A DOR!
TORNA-O ÚNICO
E COMPLETO
AMOR.

ou te esqueces da Terra
das formigas a andarem em bando
da comida a perder-se.
do pranto.
te esqueces
te vais a longe
te mandas a milhas.
ADEUS
A DEUS

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Tráfego

As sirenes
Os pássaros
Um som.

O suor
acentuado
na pele humana
capta o rumor
artificial.

As ruas, cheias
e também vazias
gritam socorro
clamam ajuda.
Acudam!!

Os cães
E mães
e  bebês ao colo
choram um só pranto
em coro.

O fémur corroído
O peito doído
O princípio corrompido
E mata-se
E olha-se
Desdenha-se.

(Sapado apertado
Mente vazia
música a romper
os tímpanos)

Novamente as sirenes
e os pássaros
um único som.
Só se quer atravessar a rua.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O asilo da Rua Santo Antônio

Ontem visitei o asilo que sempre me atrapalha o andar por ter a calçada estreita demais. O azul da janela e o cheiro de solidão me contaminavam há uma distância exemplar. Ouso julgar impossível passar por aquele lugar, atravessar aquela rua, sem ser tocado por uma gota de melancolia. Talvez seja paz, ou a espera da morte que por vezes demora uma eternidade, enquanto você sussurra e quase pragueja-a, implorando a sua chegada.
Ao atravessar o portão também azul, dei de cara com uma senhora, oitenta e poucos anos, cuja pele, completamente enrugada, guardava resquícios de nada mais que vida; ao olhá-la, senti-me em sua pele, a viver dia após dia, embriagada pelo sol que não cessa, dividindo quarto com tantos outros velhos rabugentos, indiferentes com a vida. A verdade é que ali, todos compartilhavam do mesmo sentimento de indiferença. Vi-me de joelhos ao pé da cama, em noite passada, implorando a Divindade qualquer, o fim próximo. Nunca há motivo concreto, esse desejo, muitas vezes voraz, parte do interior, do abstrato que mostram as telas de tintas misturadas. A maioria delas são a bagunça interior individual, o que não condiz apenas com época nem clima, mas com o poder de suportar.
A senhora caminhava, em curtos passos, numa camisola rosa desbotada que quase mostrava o corpo nu, que já não causava acentuação alguma. Que já não era saliência, tampouco vulgaridade. Minha presença mal educada, chegada logo após o almoço, foi de encontro a hora dos remédios. Vi a fila de idosos resmungões, desgostosos. Cada um com o olhar mais abandonado que o outro. E os filhos, netos, sobrinhos? Há quem se perca nesse tão extenso mundo. Vai ver não conseguiram o caminho de volta, é a esperança que têm. E aquela conversa toda, sem uma palavra sequer, marcava-me profundamente, sentia a solidão me afogando num mar infinito. Algo atravessando-me as entranhas e me rasgando. Talvez fosse fome, mas a hora do almoço já havia passado.
A necessidade da minha visita que, para ser sincera, nada alterava na vida cotidiana daquelas pessoas, partiu de mim sem porquê definitivo. Poderia ser até o querer ver vidas piores que a minha, mais cansativas e sem oxigênio, para curar a minha própria solidão definitiva, a minha conduta exagerada e pouco perspicaz de minha existência. Talvez fosse para enxergar o futuro e ter certeza de que eu não o suportaria.
Após a hora dos remédios, cada velho tinha direito ao cochilo, ao café... tinham direito, até mesmo, a solidão compartilhada. Mas eles mal se olhavam. Não conseguiam admitir nem para si mesmos que tivessem sido largados, que no mundo, nada mais lhes restava, além do desdém.
Mas havia um sorriso. Um sorriso oblíquo e sem sentido. Em meio àquele horror de melancolia, depressão e sedentarismo, pude enxergar um sorriso cujos dentes, tortos e amarelados, deixavam-no ainda mais especial e chamativo.
Aquele homem desconhecido. Sei que chegava quase aos noventa, seu nome não saberia dizer. Pele negra, quase dois metros de altura encolhidos numa corcunda grande. Acanhei-me a perguntá-lo o motivo, pude apenas observar os traços, a cicatriz no rosto, um corte obtuso, e o sorriso amarelado e enorme.
Fugi.
O sorriso me perseguia. Era enlouquecedor pensar que o pudesse vir de um ser abandonado, misturado a um bando de morto-vivos, que apenas esperavam, impacientes, a hora de mergulhar nesta terra vermelha do sertão baiano... Mas, o velho sorria. E, de repente, meus motivos, mesmo os abstratos, mesmo os bagunçados e interiores, não mais faziam sentido e nem o podiam. Como concorrer com as nove décadas provavelmente mal vividas daquele senhor?
Fugi do asilo. Mas, aquele sorriso até hoje não se desprende da minha memória.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Sem sentido

Essas palavras,
Todas essas palavras
que recorrem e remexem,
Onde estará
o seu real
significado?

Fugiu?
Dormiu?

Essas palavras,
que serão?
Arquivo jogado
esquecido
perdido?

Ah, essas palavras!
Tais palavras...
Quais palavras?
Por quais motivos?
Onde estarão?
Por que estariam?

E cismam
e ficam
e somem.
Ainda assim
perambulam.
Por qual motivo?

E me prendem
me jogam
se perdem!
E não há sentido.

Sangue destilado

A penumbra recobre meu peito escasso,
deleita-se no fel.
O malcuidado sorriso quebra-se ao meio 
junto a evolução do estupor.

Tu és uma vitrine de altos preços
cujos produtos,
afetados pelo chacoalho da importação,
vulneraram-se, perderam o glamour.
Tu és remendo em dia de sorte.
Peito costurado pela morte.
Experimento
Cirurgia sem doping.
O corte
O sangrar da cicatriz que nunca sara.

Ao anoitecer, 
as maldições e tormentas me perseguem
A repetirem teu nome
A destilarem teu sangue.

Meu fim és tu

Vós sois o amargo a infectar meu paladar
o negro a poluir meus rios lacrimais.
Vós sois a escuridão a penetrar
minha luz.
O júbilo incandescente de inveja
que retém a absoluta inocência
Que rouba
Que mata.
Vós sois
a minha morte,
meu fim.

Físico ou químico? Ou nenhum? Ou os dois?

O escuro se movimenta
embaraçando as leis da física.

Imagine os pés
e seus quilômetros rodados
e sua velocidade média
se desfazendo
por um único fenômeno químico?

Retrai todas as situações
Luz, gravidade
e até o próprio movimento
Qualquer ação
por um só sentimento.

O amor estralhaça todas as leis.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Consulta desmarcada

Desesperadamente
prevejo o futuro.
Um passo à frente
Dois muros atrás.

Fluente
Percorro a rua
- à noite, à espreita
ao aguardo, direita,
da sonoridade 
de teus passos.

Aceita!
O murmúrio de dor
O som do amor
acolhendo o torpor.

Vem cá!
Desdizer palavras
Silabar versos
Desencantar prosas

Enlouquecidamente
canto a poesia
a poesia desfeita
que meus olhos partiram
em milhares de versos.

Nada disso convém.
Tudo isso é desdém.
Fruto dum único e obtuso
convênio de saúde barato.

(caro é o amor
que meus olhos lhe têm) 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Recado

Ao atravessares a Avenida Sete
Vê se não te esqueces
da minha condição.

Ao veres uma rua suja, 
à brasileira,
Lembra que tu mereces
uma vida inteira, 
não essa situação.

E a vida inteira
sem eira ou beira
andando pelo meio
sem saber o próprio paradeiro,
é o que se leva em conta.

E se a noite açoita,
não te lembres 
da "afoita"
que levou-te à falência.

Os órgãos faliram
As contas explodiram
O peito se arrastou
Os pés amputaram
As mãos quebraram
Os dedos caíram

A mente voou
A voz ecoou
O tempo parou.

Ao atravessares a sétima Avenida 
(e não a Avenida Sete)
vê se não te esqueces
de lembrar-se de mim.
De mim!
Que a vida esqueceu
Que o amor matou
Que o corpo cedeu.

?

A minha incapacidade de amar trouxe de volta o medo. Das banalidades tantas, me trouxe o medo da vida que ataca até no silêncio, no manso cair de folhas secas... A incapacidade de amar é até mesmo a morte corroendo os órgãos, a incerteza engeando a testa. O seco, puro, que atravessa o peito que não sente dor, é uma parte da morte invadindo o corpo e te obrigando a viver. Nem o amor é pior que a fome. E ela corrói.
Deixa ir pelos cantos e dilacera qualquer forma de pensamento. A fome é o pior de todos os males; rói os ossos, esmaga o cérebro, embaça os sentidos e embaraça tudo. O amor é o complemento e a falta dele é excepcional sentença de vida.
Amor é feto abortado. Sem oxigênio, sem capacidade de respirar. Amor é o parente distante que você já não lembra da cara, mesmo assim se desmancha em pranto no enterro. Amor é propaganda! É a poesia bem escrita, a música bonita, o perfume bom. Amor são as garrafas vazias de vodca que te trazem um vazio inexplicável, que te consome enquanto o efeito do álcool não passa.
Amor são as mentiras contadas na TV.
A audiência frustrada.
O amor não é nem essas palavras chutadas para fora por fome. Nem uma palavra sacia a fome.
Amor é capricho. Complemento.
De todas as banalidades, é o medo de viver. A utopia que lhe parece necessidade, ou até obsessão.
A minha incapacidade de amar é uma flecha retirada e recolocada milhares de vezes em muitas partes de meu corpo, é a mesma mentira que cuspo, a banalidade inafetável e que dilacera as verdades esquecidas. Amor é saudade exagerada, a que se grita por não ter o que dizer. Grita por necessidade vocal.
Amor não é essa metáfora ridícula, gasta e inviolável
Amor não é
Amor apenas consome a lucidez por falta do quê.
O fim é uma interrogação.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Não há nada que me impeça de transbordar

tanto tempo que não se deslizam lágrimas, há uma falta incontestável d’água no recipiente e não se sabe ainda como suprir. 
um rio corrente e cheio de pedras, tais fazem sangrar os pés mas, nem assim, os olhos transbordam.
o barulho e o cheiro da água recaindo sobre as árvores reinicia qualquer indício de vida. o torpor do sol poente, retrai inconstâncias e divergências que uma única mente, cujas lembranças vivem embaralhadas e confusas, é capaz de incriminar.
feito o mundo, com os sabidos e desmontados; com os perdidos e desencontrados, que recapitulam sempre no ápice do temor maior, e não há verbo que insista em deitar o pensamento senil. não há preposição ou sujeito capaz de revelar a verdade e, como só um se sabe, o incontestável.
e findam-se eternidades e recalescências  e moribundos e milhares de banalidades uma hora e outra esquecidas por qualquer ser humano ou um ser humano qualquer. pois o som das águas ensurdece os sentimentos oblíquos, e aguda e sobrepõe o tremer das mãos e o arrepiar dos pelos. 
ainda assim, não há lágrimas. apenas o recipiente está vazio, o resto transborda.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Uma vida contada nas rugas

Já não caibo nas roupas de um ano atrás. Minhas pernas esticaram, os ombros ficaram mais largos... A minha coluna já torta piorou e quase atrofia, mas foi outra parte minha que, de fato, atrofiou. Terá o sapato diminuído? A calça encurtado? Terão todas as paredes da casa e até o teto se comprimido? Os eufemismos são diversos, mas nem um deles pode ocultar o fato de os meses, anos, levarem consigo a juventude espiritual. Os lugares de um ano atrás já não me cabem mais, tampouco as pessoas e suas inconveniências (e imaturidades). Tal qual criança em fase de crescimento, ouso a dizer que resta nostalgia e algumas muitas memórias que chegam a ser ilusão. Toda a vontade da minha vida é descobrir o porquê de olharmos o passado com tanta vontade de voltar por um ou outro motivo e idolatrar o acontecido que já não lembramos com eficácia. Talvez seja esse pontinho vago na memória, que abre espaço para a ilusão que finda sendo nostalgia quase que eterna. Não medimos a realidade passada e nem os fatos que a acompanhavam, medimos o ato e então, choramos pelo tempo esgotado. E então esperamos por mais alguns anos para chorarmos a dor do passado desses mesmos anos que passamos chorando e o tal ciclo se acaba em lágrimas e nada de concreto. E você vai aumentando, inchando. O zíper já não fecha. Um botão da roupa se solta aqui e outro ali... De repente teus passos são mais apressados e você corre contra o tempo, mesmo sabendo que não é o relógio que o mede e sim as rugas da face. Você vai crescendo para todos os lados e então explode! Sem aviso prévio, é tomado por uma sensação adolescente e quer recorrer ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, mas nem um deles lhe dá resposta definitiva. A Virgem Maria não sangra os olhos pelos teus quilos a mais, mas, no entanto, você continua firme no seu escritório. Firme na bancada da padaria esperando pelos dois reais de pão que lhe serão a janta por pura preguiça de preparar algo que alimente. Porque a vontade vai sendo perdida. Ela se esvai facilmente e todo o resto do mundo parece perceber e não se importar; é o real. Os amigos imaturos riem às tuas costas porque tu te esqueces dos óculos que estão no rosto. Os lugares que não estão de panelas enferrujadas e bancos corroídos por cupim, já não te abrigam como antes. Finalmente você já tem prioridade na fila do banco e na vaga do estacionamento do shopping; mas, então, nada disso vale muito à pena, porque você praticamente não vai ao shopping e não tem o que fazer no banco. Enquanto ia ao escritório gritar com uns funcionários que eles não lhe entregavam relatórios certos e era advertido pelo seu patrão pelo atraso (o maldito não queria nem saber do trânsito infernal que havia por trás daquelas portas de ferro), o danado do tempo passava.
Comparar-se a uma criança em fase de crescimento é saltar de prepotência para experimentar da mais pura ilusão. O resultado disso é o riso sarcástico vindo dos alheios à tua dor. A dor já não é apenas nas costas. Tudo atrofia e a idade não é a beleza que contavam as novelas. Já não se pode amar e amor só se percebe a presença quando tem falta demais, aí você chora querendo lembrar-se do passado com a mesma nostalgia eterna. Mas não há motivos para nostalgia, teu passado foi tão inócuo quanto o presente. Ainda há espaço para chorar as rugas e os quilos que vão se afastando, deixando espaço para a pele fina que dá desgosto de se ver.
Ao fim de tudo, você só queria que fossem memórias póstumas. Mas, continua vivo e vendo o tempo passar; já não pode acabar de uma vez com essa porcaria, pois é tão raquítico, que tem medo do Julgamento final, que prometia a placa da estrada até Salvador.

O dia em que Júpiter piscou para mim

A vida passa pelos meus olhos, escorre pelas minhas mãos e se estende na areia úmida. Finaliza com uma sátira imensa do reflexo sôfrego de meus olhos distantes com minhas mãos já úmidas e ásperas que absorvem todo o sal da água, numa esperança vã de acolher ao menos alguns milímetros de vida. O sol se põe todo dia às seis, e mesmo quando há a diferença estúpida entre um lado e outro do país, ele continua a se pôr no mesmo instante, sem atrasos bobos, e a gozar do luar que vem querendo tomar espaço e transformando, como mágica, o dia em noite.
Júpiter estava ali, eu vi! Era apenas mais uma enorme estrela com proximidade absurda da lua, mas tinha um brilho capaz de cegar. Sim, era ele que me causava arrepio, que me passava, como se houvesse alguma via Bluetooth ou rede Wi-fi, o seu suor gelado e a dúvida predominante, que percorre ainda assim a maioria das cabeças humanas: estão lá mais um punhado de amiguinhos desconhecidos? Quem dera descobrir o número do smartphone de algum deles e enviar uma SMS de paz, clamando por uma proximidade que muitos julgariam absurda. Imagina que louco descobrir suas crenças e faces e distúrbios; imagina que absurdo eles não terem mais de dois olhos, duas pernas ou dois braços! Imagine que estúpido eles não serem multicoloridos?!
Júpiter estava ali sim, eu o vi, com estes olhos que a terra há de comer, dando piscadelas luminosas para mim, convidando-me a passear por suas extremidades desconhecidas e compartilhar do calor humano, qualidade especial dos terrestres. Cada noite é um novo infinito com fim causado pela luz do sol. Ah! Esse calor me é ódio profundo, pois, além de derreter-me a pele e os sonhos, manda embora o luar incandescente e ninador de alegrias.
A luz do sol expulsou minhas esperanças de novas amizades jupiterianas. Júpiter não apareceu essa noite, mas ele esteve ali e essa lembrança, a lembrança da vaga e distante existência, ainda me habita com uma única vontade e uma certeza: ele está lá e eu devia ter arrebentado minhas cordas vocais, num pedido (mesmo vão), para que eu pudesse manter contato e, quem sabe, adicioná-los no facebook ou qualquer outra rede social.
(as vozes ecoam: lunática! louca! desvairada!)

Sobre misturas insensatas

Não sei dançar.
A valsa falseia entre
os pés,
Infinitos Miguéis,
Senhores do coração.

Como uma hostil
senzala, o meu coração
abriga os pretos
e se exala, gentil.
O senhor feudal
no mercado negro.
O calabouço.
O inventável
A mistura sem
misericórdia é
a discórdia
da fibra de sisal.
E, sol a baixo
Senso a senso
Sem falsa
Sem dança e
Sem poema.
Sem rima.
Não sei dançar,
Sou a valsa desritmada
O balanço, o bambeio,
a perneta trêmula…
Sem encanto, não valseio.

"Não descritivo"

Não sendo eu o grito comum aos desesperados, que suicida as cordas vocais por tentativa absurda de suprir a ausência ou tormenta qualquer, satisfaz-me o viver. Sendo a perfeição mútua causada pelo caos que me acolheu logo à maternidade, creio no insípido matrimônio da sanidade e loucura, pois num oposto perplexo, num quase incansável (ou infindável) esgoto de errantes, atiço o prazeroso riso que causa arrepio. Sendo, eu, o absurdo inevitável, que causa morte ao espírito, ao corpo e à mente, decreto sentença de morte a mim mesma, querendo assim, morrer por causa nobre. Há de ser motivo, onde na Terra não seria suicídio, se é aos olhos do Criador (não se sabe ao certo do que). Tudo o que cumpre-se aqui, paga-se penitência de igual dor na morte que já não é ausência de vida, e sim excesso. Excesso da dor carregada, dos frutos e laços não desvinculados, pois causa inchaço ao corpo e ao útero que já não abriga ser algum, nem é capaz de fazê-lo. Sou assim, então, o fruto do pecador, que todos no final são. Sem batismo que cure. Sem água benta ou palavra Divina. Cumpro o pecado cravado em mim como não se sabe o que. Ao fim das contas, todas as vidas são penitência indiscutível.

A vida brinca de amor numa crise epilética

O último suspiro fugiu às rédeas  Duas constelações desencontraram-se. Fora traçado, há um século e meio, o destino do mais estupefato e avassalador, indizível e insuportável, amor. Nada cabe ao peito que comporta algum sentimento tão involuntário quanto esse; é sentença de morte doída, é suicídio, entregar-se.
Destruíram-se, arrancaram todas as estribeiras! O único que sobra é o sufoco de uma alma, o afogamento por falta de força nos braços para nadar até à margem ou de oxigênio nos instantes. A crise epilética. O corpo sem controle, deixando escapar junto a espuma da boca, os sonhos.
O amor é um mar nervoso. Os corpos comportam o descontrole e abusam do salgado sacrifício de cada dia: respirar. Tudo além disso é apenas vida e é justamente o que não adentra. A misericórdia da vida cujos olhos sangram, esvai-se a cada instante que foge, imperceptível, silencioso. As mãos esculpem a dor como sempre fizeram e a poesia que não sai é a dor que não pinica, mas ainda vive e reluz, como de costume.
O que seria das letras se ninguém as tivesse inventado? Flutuariam pelo ar, deslizariam pelo infinito, também imperceptíveis e talvez insonoras. As cartas também existiriam, mas, intactas e limpíssimas para nada serviriam. Quem ousaria penetrar excessos de insanidade (que é todo o fruto da mente) no ingênuo, límpido e branco papel? Os olhos morreriam sem saber as verdades, que tantas vezes foram abusos e outras tantas, hipérbole, para serem pronunciadas. O grito, o distúrbio, o turbilhão de sentimentos e sensações que guarda uma única letra ou toda uma caligrafia, quem decifraria? Os segredos ocultos, descobertos seriam, pois tudo soaria mais perverso, seguindo o barítono, e tantas vezes complexo, tom da voz.
O sufoco pode te dar brechas para que sugue o oxigênio e possa agonizar. Não há misericórdia quando a vida não te penetra e arranca um gozo verdadeiro. É puro capricho, o objetivo nunca foi que você chegasse ao orgasmo.