sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Uma vida contada nas rugas

Já não caibo nas roupas de um ano atrás. Minhas pernas esticaram, os ombros ficaram mais largos... A minha coluna já torta piorou e quase atrofia, mas foi outra parte minha que, de fato, atrofiou. Terá o sapato diminuído? A calça encurtado? Terão todas as paredes da casa e até o teto se comprimido? Os eufemismos são diversos, mas nem um deles pode ocultar o fato de os meses, anos, levarem consigo a juventude espiritual. Os lugares de um ano atrás já não me cabem mais, tampouco as pessoas e suas inconveniências (e imaturidades). Tal qual criança em fase de crescimento, ouso a dizer que resta nostalgia e algumas muitas memórias que chegam a ser ilusão. Toda a vontade da minha vida é descobrir o porquê de olharmos o passado com tanta vontade de voltar por um ou outro motivo e idolatrar o acontecido que já não lembramos com eficácia. Talvez seja esse pontinho vago na memória, que abre espaço para a ilusão que finda sendo nostalgia quase que eterna. Não medimos a realidade passada e nem os fatos que a acompanhavam, medimos o ato e então, choramos pelo tempo esgotado. E então esperamos por mais alguns anos para chorarmos a dor do passado desses mesmos anos que passamos chorando e o tal ciclo se acaba em lágrimas e nada de concreto. E você vai aumentando, inchando. O zíper já não fecha. Um botão da roupa se solta aqui e outro ali... De repente teus passos são mais apressados e você corre contra o tempo, mesmo sabendo que não é o relógio que o mede e sim as rugas da face. Você vai crescendo para todos os lados e então explode! Sem aviso prévio, é tomado por uma sensação adolescente e quer recorrer ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, mas nem um deles lhe dá resposta definitiva. A Virgem Maria não sangra os olhos pelos teus quilos a mais, mas, no entanto, você continua firme no seu escritório. Firme na bancada da padaria esperando pelos dois reais de pão que lhe serão a janta por pura preguiça de preparar algo que alimente. Porque a vontade vai sendo perdida. Ela se esvai facilmente e todo o resto do mundo parece perceber e não se importar; é o real. Os amigos imaturos riem às tuas costas porque tu te esqueces dos óculos que estão no rosto. Os lugares que não estão de panelas enferrujadas e bancos corroídos por cupim, já não te abrigam como antes. Finalmente você já tem prioridade na fila do banco e na vaga do estacionamento do shopping; mas, então, nada disso vale muito à pena, porque você praticamente não vai ao shopping e não tem o que fazer no banco. Enquanto ia ao escritório gritar com uns funcionários que eles não lhe entregavam relatórios certos e era advertido pelo seu patrão pelo atraso (o maldito não queria nem saber do trânsito infernal que havia por trás daquelas portas de ferro), o danado do tempo passava.
Comparar-se a uma criança em fase de crescimento é saltar de prepotência para experimentar da mais pura ilusão. O resultado disso é o riso sarcástico vindo dos alheios à tua dor. A dor já não é apenas nas costas. Tudo atrofia e a idade não é a beleza que contavam as novelas. Já não se pode amar e amor só se percebe a presença quando tem falta demais, aí você chora querendo lembrar-se do passado com a mesma nostalgia eterna. Mas não há motivos para nostalgia, teu passado foi tão inócuo quanto o presente. Ainda há espaço para chorar as rugas e os quilos que vão se afastando, deixando espaço para a pele fina que dá desgosto de se ver.
Ao fim de tudo, você só queria que fossem memórias póstumas. Mas, continua vivo e vendo o tempo passar; já não pode acabar de uma vez com essa porcaria, pois é tão raquítico, que tem medo do Julgamento final, que prometia a placa da estrada até Salvador.

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